Starcraft II: Wings of Liberty - Análise



No fim do século 400 a.C. Alexandre o Grande começou uma campanha de enormes proporções contra o exército persa. Com todas as cidades-estado gregas sob suas ordens, o macedônio empreendeu uma campanha tão bem sucedida e de escalas tão grandiosas, que o levou a dominar terras até os confins da Índia, sagrando-se vitorioso em todos os seus combates e criando o maior Império já conhecido pela humanidade. Há 12 anos, a desenvolvedora americana Blizzard definiu todo um gênero com Starcraft, um RTS que virou instantaneamente clássico por sua mecânica de três raças e um forte senso de balanço e competição, em um momento em que nínguem imaginou que a companhia ia tentar algo mais ambicioso que seu Warcraft. Leve o que bem entender da comparação, mas não há como negar: para gamers de todo o canto, o esperado lançamento de Starcraft II é algo digno de livros de História. A década de preparo rendeu um jogo de estratégia ao mesmo tempo robusto e simples, e em igual parte, nostálgico e atual. Saiba abaixo o porquê.

Em Starcraft 2, o objetivo geral é construir uma base funcional, administrar recursos minerais e usa-los para construir um exército maior e mais capaz do que o de seu inimigo. Mas há toda uma trama por trás: depois de 4 anos dos acontecimentos de Brood War, Jim Raynor não se vê na mais confortável das posições. Mensgk, o atual líder máximo dos Terrans, vem levantando um regime nada justo, levando rebeldes como os piratas de Raynor a combater por aí como abelhas perdidas. Dos males o menor: em suas aventuras como cão de aluguel, Raynor se vê no meio de uma invasão Zerg arquitetada por Kerrigan, a Rainha das Lâminas e ex-garota dos olhos de nosso herói. Ser obrigado a abandona-la á sorte no planeta Char há alguns anos atrás não foi o tipo de coisa de aquecer o coração do mercenário. Sem nem contar que não é apenas o desafortunado Raynor que ainda sente uma coisa ou outra pela mulher debaixo de toda aquela carapaça Zerg: os Protoss também entram na jogada, tentando usa-la para salvar a galáxia de um perigo ainda maior. É uma história e tanto e, curiosamente, o material aqui é tão Western quanto qualquer coisa que você poderia encontrar em Red Dead Redemption. A trama de um fora-da-lei batalhando contra o impossível para deixar pra trás os erros de seu passado dá um indiscutível tom de fime Bangue-Bangue ao jogo, sensação aumentada pelos goles de Bourbon - sem gelo - e riffs de guitarra a bordo da ultra-tecnológica Hyperion. Não que os Terrans nunca tenham sido representados como verdadeiros caubóis espaciais, mas com o foco em história e clima de Wings of Liberty, é de se imaginar de que outras maneiras as tramas do Zerg e Protoss serão representadas e caracterizadas nos game futuros.



O jeito como a narrativa é levada é um dos toques mais legais do game. Ao invés de amarrar missões aleatórias com vídeos e textos explicativos, a Blizzard optou por algo que remete aos velhos games adventure como Day of the Tentacle e Grim Fandango. Depois de cada missão o jogador tem acesso a um ambiente (seja o Bar JoeyRay, seja as quatro salas da espaçonave Hyperion) altamente detalhado e cheio de detalhezinhos para serem clicados e explorados. É possível ouvir e participar de conversas, assistir a um noticiário carregado de ironia e ouvir explicações sobre itens do ambiente. Mais importante do que isso, são nesses momentos que Starcraft II joga suas mais notáveis cartadas de gameplay. Tomando inspiração de Warhammer 40.000, é possível escolher qual missão tomar em uma certa instância. A colocação das campanhas ocorre não de modo linear como o do antecessor, mas sim, de forma ramificada. Cada missão aceita traz consigo uma nova unidade ou elemento de gameplay, o que dá peso à cada decisão: a Blizzard mexeu de forma curiosa com sua receita, trazendo cenários que exploram táticas e habilidades normalmente não apreendidas por campanhas mais tradicionais. O saque de um trem exige que você manipule unidades de ataque contra um alvo móvel e nunca se mantenha em um só ponto por muito tempo. Outra missão te coloca em um embate contra forças Protoss em um planeta que está sendo engulido por magma mortal. O desafio aqui é saber manter o adversário em contante pressão e manejar um bom espaço de respiro para poder transportar suas estruturas pelo mapa e evitar o fluxo de chamas que avança em intervalos. Uma terceira missão se passa durante uma invasão Zerg que lembra um filme de terror: durante o dia é preciso mobilizar forças para atacar a base inimiga, sempre se mantendo atento á defesa contra as potentes ofensivas noturnas. Embora construído sobre o esqueleto de seu antecessor, as regras nunca se mantém as mesmas por muito tempo, criando dinâmica e variedade muito bem calculadas.

Cada missão completa com sucesso te presenteia com créditos, que podem ser gastos para evoluir unidades individuais em uma variedade de quesitos. Como a preocupação com balanço entre Terrans, Zerg e Protoss no multiplayer não necessariamente existe no modo para um jogador, é possível criar um exército de crescente poder. Mercenários podem ser contratados à bordo da Hyperion e nada mais são que versões super poderosas de unidades existentes. Some a essas nuanças as relíquias Protoss e Zerg achadas em missões secundárias e você terá ainda mais opções de customização. Elas te permitem construir uma unidade ou estrutura nova depois de encontradas, mas elas funcionam sempre em par: escolher uma opção anula a chance de você criar outra e assim vai. Juntos com diversos Achievements (muito bem emplacados se considerarmos que estamos falando de um game da Blizzard), a estrutura de jogo da campanha se torna viciante, se certifica de que o jogador está sendo sempre premiado por seu tempo investido e, talvez mais importante, encoraja o retorno à história atrás de unidades não desenvolvidas e linhas narrativas não exploradas. Uma só visita ao mundo de Starcraft II é sempre insuficiente!

Claro que muitos estão interessados em Starcraft II não apenas pela campanha, mas também por seu modo multiplayer. Estamos jogando a modalidade desde que a Blizzard publicou seu Open Beta no início do ano, e podemos te garantir que muita areia rolou no meio do caminho, e que o resultado final é o mais completo, bem balanceado e desafiante game de estratégia multijogador que já tivemos a chance de provar. Antes de mais nada, é importante informar que quem jogou Starcraft não vai ter muito de novo aqui. Mas o que existe, sem dúvida se faz notar. Wings of Liberty traz algumas novas unidades e estruturas em campo, que servem seu próprio papel não só para expandir o gameplay, mas para garantir que toda a tática possível tenha uma contra-tática viável. Usando a nova capacidade de enterrar os depósitos de suprimentos no chão para criar uma muralha retrátil contra ataques inimigos? Collossus e Reapers conseguem saltar colinas e encostas no mapa e atacar sua base pelos ângulos mais inesperados. Colocando Siege Tanks na frente de suas unidades mais fracas para atrair fogo inimigo enquanto os soldados atingem os oponentes através da retaguarda? Pois bem, os novos Immortals são altamente resistentes a armas de maior calibre e são capazes de pulverizar um tanque em segundos. Muito poderoso? Não se você considerar que os escudos dessas máquinas se tornam ineficientes a armas de baixo poder de fogo. Starcraft II não é um game onde a vitória é dada àquele que bolou uma tática infalível, mas sim para o jogador que sabe de forma mais ágil reverter uma dada situação ao seu favor. É justamente esse nível de improviso que torna de Starcraft um dos mais rápidos e interessantes games de estratégia da atualidade, e que é capturado em cheio por sua sequência.



O mesmo cuidado foi dado ao sistema online da Blizzard, o Battle.net. A grande novidade é o complexo sistema de Matchmaking de Starcraft II. Suas primeiras campanhas serão sempre contra jogadores novos no game e é limitada a mapas cujo próprio desenho impossibilita técnicas de Rush e outras estratégias mais avançadas. Conforme o sistema contabiliza seu desenvolvimento, opções de mapas mais abertos e traçoeiros vão se abrindo e você vai sendo incluído em guildas de jogadores mais avançados. Mesmo depois dessa fase, quando a capacidade tática dos jogadores aptos a te enfrentar vai se tornando naturalmente mais ampla, a matemática mágica da Battle.net sempre foi capaz de nos colocar em combates bem pareados. Relaxem: nada de coreanos viciados em Red Bull até onde pudemos testar. Outras novidades incluem a criação de perfis, onde jogadores podem ver as conquistas de seus amigos e adversários, e até a capacidade de encontrar potenciais competidores através de uma pesquisa em seu perfil do Facebook. Apesar de excelente e amplo, o sistema não é livre de seus problemas. O maior deles é que o serviço brasileiro fica travado apenas para o terrítório latino americano, impossibilitando jogar partidas com jogadores em outros locais do globo. Embora isso sirva sim seu própósito em praticamente eliminar problemas de ping e latência, a decisão limita de forma gritante o número de Custom Games. Não há dúvidas que a comunidade latina de Modders venham a criar mapas legais e um ou outro clone de DoTA, mas o fato é que a quantidade encontrada irá ficar naturalmente aleijada. A experiência é sólida no geral. Claro que experimentamos um ou outro bug durante nosso teste, inclusive um que considerava campeão o jogador que havia desistido da partida, mas são coisas sendo trabalhadas e retrabalhadas constantemente pela Blizzard. No entanto é necessário notar que boa parte do atraso de nossa análise se deve a um problema que nos impossibilitava carregar a quarta missão da campanha. Depois de uma rápida visita ao fórum oficial da Blizzard descobrimos que nosso problema não era isolado, embora não tenha sido resolvido desde então (Nota: o Patch 1.0.2 conseguiu consertar o defeito). Para qualquer um que vier a comprar o jogo, indicamos uma visita ao fórum da companhia em caso de qualquer problema. Com uma comunidade tão ativa, pode vir a ser uma boa mão na roda.

Sim, Starcraft II é bonito, tem gráficos de alta definição, unidades detalhadas, CGs do selo de qualidade Blizzard, uma baita trilha orquestrada, blá, blá, blá. Vamos ao que interessa: como raios é que ficou o trabalho de dublagem em português? Quer dizer, estamos acostumados a ver trabalhos meia-boca e de mal gosto (exemplos como Shadowman 64 e o próprio Starcraft original não faltam), então um pouco de ceticismo é inevitável. É um paradigma que, felizmente, Starcraft II Wings of Liberty conseguiu romper com gosto! Vale elogiar o trabalho de José Otávio Guarnieri (Kenshin Himura de Samurai X e Jack Bauer em 24 Horas) como o mercenário Jim Raynor. O brasileiro conseguiu passar ao personagem um tom meio melancólico, mas sem deixar a rispidez e o humor tradicionais da série de lado. Outras participações são um pouco mais cruas, mas servem bem ao seu propósito. Por mais bem acabado que seja, o trabalho de dublagem tem lá suas incongruências: o mercenário Gabriel Tosh é o ponto fraco, com uma voz que nunca chega a soar um mínimo realista. Zeratul e Kerrigan não soam nem de perto tão épicos como deveriam. Frases em português meio americanizado ainda aparecem aqui e acolá e muito do texto nacional inserido no ambiente de jogo parece ter sido jogado de qualquer maneira por cima das texturas originais. Mas uma vez que você ouvir um diálogo entre Raynor e o irônico gigante Tychus Findlay - um molecão que se nega a tirar sua armadura até mesmo dentro do bar - e perceber quanto material foi gravado e produzido especialmente para o game, é difícil negar que este é o mais sólido trabalho de dublagem em português já realizado em um jogo. Okay, talvez não tão melhor quanto um trabalho não-oficial realizado para o game Max Payne há uns anos atrás. Mas verdadeiramente bom ainda assim.



Depois de 12 anos, é engraçado perceber quão pouco mudou de verdade: você ainda coleta gás vespene e minerais para criar Marines e Barracks, e ainda assiste a um embate entre Zergs, Protoss e Terrans onde todo mundo parece mais que feliz em enfirar uma faca - uma lâmina laser ou um tendão ossudo - um nas costas dos outros. Comparado ao salto entre Warcraft II e III - leia-se a inserção de um herói customizável, cenários variados - parece que a Blizzard tomou um rumo consideravelmente mais seguro com a sua série sci-fi. É sim um ponto relevante, mas certamente é a última coisa que deva afetar sua compra. Starcraft II Wings of Liberty é super divertido, além de ser extremamente amplo, viciante e cheio de pequenas - porém fantásticas - novas ideias de design. Uma campanha que recompensa o tempo do jogador e um modo multiplayer balanceado e cheio de nuanças, sempre pronto a receber novatos, são pontos mais do que suficientes para emplacar o game como o melhor RTS que jogamos este ano. Enquanto Command & Conquer IV arriscou uma dinâmica de jogo pouco refinada e R.U.S.E. ainda se mata para fazer passar sua mensagem, há algo em Starcraft II que nos diz que grandes games são aqueles cuja ingenuidade e originalidade se tornam à prova do tempo. O clássico da Blizzard está de volta e prestes a encarar uma nova geração. E algo nos diz que, diferente de Alexandre o Grande, Starcraft tem uma segunda chance de provar o valor de seu império virtual.


fonte:fliperama